Sabe aquele versículo que você tem memorizado e jura que está na Bíblia, mas nunca lembra a referência? São versículos como “Vinde a mim como estás”, “O cair é do homem, mas o levantar é de Deus” ou “É dando que se recebe”. Tenho certeza de que você já ouviu pelo menos um desses. Também sei que, como eu, provavelmente já os repetiu. O problema desses “versículos” é que nenhum deles está na Bíblia.
Mas e então, quer dizer que estão errados, que são heresia? Não chega a tanto. Mas significa que devemos tratá-los pelo que são, e não como verdades bíblicas.
Há muitos ditados, lições e mensagens que ouvimos no meio evangélico que certamente parecem ser cristãos, mas que não se encontram nas Escrituras. E o problema disso é que a partir delas, começamos a construir uma visão de Deus com base em algo que não necessariamente está alinhado com quem Ele realmente é. Muitas dessas mensagens podem até ser boas e trazem algo de proveitoso, mas não são cristãs, propriamente dito. A música que analisaremos hoje é um exemplo disso.
“Por causa dele” foi gravada pela Kellen Byanca com participação do Jessé Aguiar, que é o autor da música. Vamos dar uma olhada na letra.
Por mim eu parava agora, o cansaço me atingiu e eu desacelerei
O ânimo em mim sumiu e eu parei, parei para respirar um pouco e não desistir
Mas mesmo assim
Por mim eu parava agora, meu coração entrou em alerta, ficou exausto
Eu sinto um medo que me aperta e me deixa assustado
Por mim eu já teria há tempos parado
Nas primeiras linhas temos o desabafo do cantor, um relato do seu estado de alma, do seu cansaço e desânimo. Não sabemos exatamente a razão para tanto, mas sabemos que não está bem. E quem nunca se sentiu assim, não é mesmo?
Mas toda vez que eu tô cansado Jesus me abastece e me deixa claro
Que Ele não quer me ver prostrado, é difícil, cansativo, mas Ele está lado a lado
Me enviando qualquer recurso, me aliviando e me deixando mais seguro
E toda vez que eu quero parar, Ele aparece pra me fazer avançar
Por mim eu já teria desistido, mas por Ele eu chego lá
Aqui temos a primeira menção de Jesus, que aparece para sustentar e andar junto. Afinal, ele deixa claro que “não quer me ver prostrado”. E quando estamos a pontos desistir, Ele aparece para me fazer avançar.
Aqui a música já fica um tanto genérica. Ela descreve um sentimento comum sem contexto algum e reduz Jesus a um mero apoiador em meio a dor. Ele noz faz avançar, sem dizer para onde. E com Ele chegamos lá, seja onde “lá” for. A música também não diz. Além do mais, não podemos afirmar categoricamente que Deus não nos quer ver prostrados. Afinal, Ele usa até o sofrimento para nos ensinar e abençoar.
Foi por causa d’Ele que eu ainda não parei, nem desisti
Foi por causa d’Ele que eu levantei e decidi seguir
E é por causa d’Ele que eu ainda continuo a lutar
Por causa de Jesus, que sempre me conduz, eu sei que eu chego lá
Porque quando eu não der conta Ele vai me ajudar
Novamente, a estrofe seguinte retoma a temática de um Jesus que serve de motivação ou apoio para não parar, desistir, continuar a lutar etc. Que luta é essa? Também não sabemos. O que sabemos é que Ele vai me ajudar.
Tendo visto toda a letra, a mensagem é: Jesus nos apoia na nossa caminhada, seja qual for. O problema desse aspecto genérico é que é aplicável a qualquer um. O Jesus descrito nessa música é por demais genérico. Pode ser o Jesus Cristo ao qual Roberto Carlos canta ou até um espírita. Afinal, os espíritas creem em Jesus Cristo, só não o consideram o Filho de Deus, que veio morrer e ressuscitar por nós e pagar o preço pelos nossos pecados.
O Jesus dessa música serve como mero torcedor e apoiador. No máximo, um condutor, que poderia até ser uma menção da soberania d’Ele sobre nós. Mas, ainda assim, seria uma referência para lá de superficial.
O teste final que podemos aplicar a esta música é o seguinte: experimente trocar o nome de Jesus na música por “Pai” ou alguma figura motivacional, como um cônjuge, por exemplo. Na minha vida, em vários momentos o meu pai foi essa pessoa que me apoiou, levantou e me ajudou a não desistir. Mas essa letra é tão genérica que se aplicaria a qualquer figura que nos apoia, e não exclusivamente Jesus Cristo. Pois, o louvor não é apenas um lugar para cantarmos uma mensagem positiva, mas para engradecer e enaltecer o nosso Deus único, que fez por nós o que nenhum outro poderia fazer.
Agora, isso significa que a música comete erros teológicos? De maneira alguma. Ela apenas é por demais superficial e acaba falando de um Jesus destituído da sua glória, soberania e onipotência. A música passa muito mais tempo descrevendo o cantor do que Deus ou Jesus. Portanto, é uma música centrada no homem, antropocêntrica.
Isso significa que não podemos rasgar o coração perante Deus? De maneira alguma. Se formos ler o Salmo 22, citado pelo próprio Cristo na sua paixão, vemos o salmista abrindo o coração descrevendo o seu sofrimento pesadíssimo. Mas ele não permanece aí. Ao final do Salmo, ele volta a louvar ao Senhor, falar dos seus feitos, de como Ele é digno de confiança. Logo, podemos abrir o coração perante Deus, mas também precisamos falar de Deus para o nosso coração, e é aí que mora o equilíbrio e a esperança do louvor.
Por fim, “Por causa dele” é uma música que fala pouco de Deus. A sua linguagem genérica pode ser aplicada a virtualmente qualquer pessoa em qualquer dificuldade e praticamente não fala sobre os desafios da caminhada cristã, da luta contra o pecado e a falta de fé e como Ele nos ajuda a perseverar até o nosso lar celestial. É uma música que se preocupa mais com a jornada do que com a linha de chegada. E para nós, cristãos, é o que nos espera ao final da jornada que nos traz esperança.
Portanto, não é uma música que recomendamos para o culto público. A música em si é de fato bonita e legal de ouvir, mas enquanto louvor e adoração, nos apontando para o Cristo conforme vemos na Bíblia, é uma mensagem que deixa a desejar, por mais “cristã” que possa soar.
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