Não assisti o conjunto do depoimento da Natália Pasternak na CPI, mas o trecho abaixo, que transcrevo, me chamou a atenção.
Depois da longa fala do senador Eduardo Girão, cobrando que o Senado pudesse ouvir algum cientista que defenda algum tipo de tratamento na fase inicial, ela pontua:
“Em relação ao que foi falado pelo Senador Girão, sobre os 2 lados do jornalismo e o princípio do contraditório, é importante salientar que esses princípios do jornalismo, da política também — de sempre observar o contraditório, eles não se aplicam para a ciência porque a ciência é um processo investigativo, dos fatos, da realidade. E daí não cabe o contraditório. A ciência não tem dois lados. E isso não é por desrespeitar opiniões alheias, mas pelo modo como a ciência trabalha, que é um processo empírico de investigação, então quando a gente fala que existe consenso científico, eles são consensos. O consenso científico como por exemplo que o aquecimento científico é real e é causado pelo homem, ele é um consenso científico, podem até existir cientistas que contestem isso, mas que para esse consenso científico seja derrubado, as evidências em contrário precisam ser muito robustas, precisam ser evidências extraordinárias, como diziam Carl Sagan, alegações extraordinárias, precisam de evidências extraordinárias. “
A ciência trabalha com multiplicidade
Esse trecho supõe que a ciência é uma linha reta que une dois pontos: “menos ciência” e “mais ciência”, quando isso não poderia ser menos verdade.
A ciência é muito longe de ser esse monólito arredondadinho que ela pesca de alguma utopia etérea.
Ainda que existam pontos que não pairam praticamente polêmicas (o núcleo da teoria da seleção natural de Darwin ou a mecânica Newtoniana, dentro de um escopo razoável), muito da ciência moderna ainda habita em terrenos onde não há unanimidade e sobre os quais ainda pairam muitas dúvidas.
Por exemplo, a origem da vida permanece um tema com diversas hipóteses com seus respectivos defensores. Também relativo à origem do universo, existem muitas teorias alternativas, com cientistas altamente laureados discordando entre si.
No caso da Medicina, há um amplo campo para discórdias e teorias concomitantes, de forma até mais presente, porque é um campo menos exato e mais experimental.
Um caso emblemático é o ovo. Depois de muitos anos onde o ovo era um alimento demonizado, ruim para o colesterol, e coisa e tal; eis que tudo muda, e o ovo foi salvo por novas evidências, enterrando as certezas anteriores, e eliminando as famosas quotas semanais limitadas de ovos ()
Ou seja, o presente trouxe novas certezas, mas que ainda podem mudar….
Outro exemplo: até meados da década de 90, técnicas como ponte safena e ponte mamária eram ainda vistas como uma solução relevante para problemas de obstrução coronariana.
Isso mudou porque muitos cirurgiões optam hoje pela revascularização arterial total, que consideram mais eficiente e menos arriscada.
No entanto, já conversei com cardiologistas que ainda fazem esse tipo de cirurgia, Em suma, não há unanimidade nessa questão.
Há consenso científico contra a IVM?
Não há como dizer que existe um consenso científico sobre a ineficácia da IVM, comparando-se com o aquecimento global antropogênico.
Isso é uma analogia equivocada, porque no caso no aquecimento global antropogênico, os poucos cientistas contrários recebem claramente financiamento e apresentam argumentos que são refutáveis com relativa facilidade.
De verdade, o estabelecimento de um consenso científico depende de estudos científicos e artigos publicados. Certamente não são decorrentes de mera declarações minhas ou de jornalistas, políticos, radialistas, ou mesmo de cientistas.
No caso da Dra. Natália Pasternak, ela sequer atua na área, mas mesmo que atuasse não são mais do que palavras ao vento, sem entrar no mérito.
Artigos favoráveis a IVM não são noticiados por aqui e mesmo quando isso acontece, são referidos de forma preconceituosa e leviana. Veja o apêndice 1 (IVM do MX é aqui ignorada ou vilipendiada) do artigo “COVID-19 e IVM: Menos mortes e politização no MEX”
Quando a Dra. Natália refutou a IVM em julho de 2020 o fez com frases de efeito, exageros, afirmações equivocadas e nenhuma citação.
Desafio a qualquer um ir no Google Acadêmico e pesquisar esse pretenso consenso citado por ela na CPI.
Basta pesquisar artigos publicados com intitle:ivermectin intitle:Covid-19 e examinar um a um, conferindo a reputação dos autores e do periódico (se for o caso).
Dentre vários estudos publicados, o único estudo randomizado reputado que depõe contra a IVM é o altamente questionável estudo colombiano.
Não é possível que um único estudo crie esse consenso contrário citado por ela.
Há vários estudos randomizados pequenos que favorecem a IVM, além do grande estudo observacional controlado no México e o último estudo randomizado duplo cego com placebo publicado pelo renomado pesquisador israelense Eli Schwartz ligado ao Sheba Medical Center, um dos melhores hospitais do mundo.
Grandes estudos estão no prelo: EUA, Fundação Bill e Melinda Gates, Reino Unido, Japão (conforme relata o prêmio Nobel de 2015, Satushi Ömura) etc.
Não faria sentido ter hoje estudos caros em andamento para um fármaco que estivesse morto, como afirma de forma peremptória a Dra. Natália Pasternak.
Foram também feitas diversas meta-análises favoráveis à IVM. A mais prestigiosa foi conduzida por Tess Lawrie, que é colaboradora assídua do Cochrane, basta procurar por Theresa Lawrie e ver em ‘Revisões Cochrane’: ela assina um total de 39 artigos.
A próprio Cochrane, que fez uma meta-análise que não chegou a bons resultados para a HQC, está fazendo esse estudo para a IVM.
Só antivirais específicos podem combater vírus?
Ao contrário do que se afirma, não são apenas antivirais específicos que podem exercer efeito na fase inicial da COVID-19, pelo fato do agente infeccioso ser um vírus.
Há diversas maneiras de agir contra um vírus, não é preciso que o fármaco necessariamente atue diretamente para matar o vírus. Pode-se dificultar a entrada do vírus na célula, sua reprodução e até a saída do vírus da célula
Toda substância química pode perfeitamente ter múltiplos efeitos e alvos. Drogas multi-objetivos (“Multi-target therapeutics: when the whole is greater than the sum of the parts” – Drug Discovery Today – – 2007 ), já são algo velho em Medicina.
Governo mandou mal na gestão da pandemia
Não posso deixar de registrar que concordo com parte da fala da Pasternak (ouvi alguns trechos).
É inegável que o presidente sempre minimizou a gravidade da COVID-19 e seu potencial de transmissão. Ele, inúmeras vezes, exerceu uma influência negativa, especialmente sobre seus seguidores de menor instrução: Se o presidente faz isso também posso fazer.
Mesmo que se possa extrair validade da sua preocupação com a economia, a forma dele manifestá-la era ruim porque tudo para o mito era “nós versus eles”, resumindo a questão toda a uma escolha binária: ou se deixa morrer quem é para morrer ou a economia vai para o buraco: Sobra até para quem decide ficar em casa.
Quanto à gritante falta de empenho do governo nas vacinas, se deve, no meu entender, a uma visão preconceituosa e ignorante do mesmo. Dizer que isso não custou vidas, é tapar o sol com a peneira, pois qualquer antecipação de vacinas, mesmo que boa parte não fossem entregues no prazo e ainda que não sejam 100% eficientes; salvam vidas, direta ou indiretamente (via transmissão evitada).
Marcante ainda é a falta de sensibilidade do PR ao se referir aos mortos pela pandemia.
Suas referências ao tratamento precoce são vagas, inespecíficas e dão a entender que o “tratamento precoce” é uma bala de prata que torna desnecessário qualquer providência adicional como cuidados, acompanhamento da doença e vacinas.
Nessa visão, com o tratamento precoce, a COVID-19 viraria uma gripezinha, o que não é verdade: certo nível de eficácia não significa cura certeira e um remédio X não funciona apenas porque desejemos isso.
Fora que quase todas as referências do PR são relativas a HQC, quando o tempo passou e hoje há opções mais modernas, incluindo a própria IVM, além da budesonida inalada e a fluvoxamina.
No final, essa cantilena repetida contribuiu mais ainda para a politização ainda maior do tema aqui no Brasil, de forma que se qualquer um faz referência a um remédio que não seja paracetamol para o início da doença, já passa, automaticamente, a ser bolsonarista…
Epílogo
Não entendo essa tal de ciência certinha e perfeita, que a tal de Natália Pasternak diz defender…. A ciência muitas vezes não apenas tem 2 lados, como pode ter 3, 4 ou mais lados. Estamos muito longe da onisciência, onde não cabe mais argumentos a favor de visões alternativas e de algum autonomeado dono da verdade.
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