Numa casa brasileira os donos tinham o hábito de periodicamente promover um churrasco. Convidavam os amigos e parentes, do marido e da esposa, e passavam bons momentos, jogando conversa fora, comendo e bebendo para celebrar a vida.
Nos últimos churrascos quem estava cuidando da churrasqueira era um parente do marido. Excelente pilotando a grelha, fazia questão de comprar as melhores carnes e a cerveja, sempre da melhor marca, e que estava estupidamente gelada, além do o refrigerante, para a garotada.
No dia, chegava duas horas antes do início das festividades, para preparar a carne com o sal grosso "de lei" - de tal forma que, na hora certa, ia mandando as carnes aos poucos, na maioria mal passadas ou ao ponto, e umas poucas bem passadas, para os que "não gostam de sangue".
Tudo feito com zelo, como convém a um bom churrasqueiro, a não ser por um detalhe: o cidadão era um tremendo ogro. "Tiozão do churrasco" mesmo, daquele que faz a piada clássica do "pavê ou pa cumê" - e que se torna rapidamente, à medida que a cerveja vai saindo do freezer e entrando na mente das pessoas, uma metralhadora de inconveniências, uma atrás da outra.
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É piada machista pra lá, tirada jocosa de lá, e a mulherada cada vez mais constrangida, enquanto pegavam uns pedaços de carne e comiam junto com o arroz e feijão.
Sim, porque a parte feminina do churrasco também preparou algo além da carne. Arroz, feijão, salada, "batatonaisse", uns pedaços de frango (tostados pelo "tiozão" inconveniente), além de outras tantas coisas que fazem com que o churrasco de família não seja só um churrasco.
Naquele ano destacou-se em especial um prato: uma "caponata" de berinjela divina, feita pelo "namorido" de uma das "migues" da dona da casa. Esta 'miga', empoderadíssima, resolveu chamar a esposa num canto, reclamando do porque do "tiozão" do churrasco estar proferindo todo tipo de impropérios inconvenientes para todos - mulheres, crianças e homens (embora os últimos estivessem preferindo comer a carne e falar besteira do que se importar com o "tio do pavê").
Ao final, sugeriu a 'miga': "olha, se você quiser o meu 'namorido' pode ser o churrasqueiro daqui para a frente, ele é ótimo com carnes, conhece de-tu-do e sabe grelhar como ninguém - sem falar que foi ele que fez essa 'caponata' divina, olha só como to-do-mun-do-gos-tou-dela...".
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Final da festa, a mulher vai falar com o marido, possessa da vida: "você precisa deixar o 'fulano' de fora, veja só quanta vergonha ele nos fez passar, ele é machista, chauvinista, racista, fico morrendo de vontade de sumir quando ele fala aquelas coisas horríveis, e isso, e aquilo, e...".
O marido, cansado, não está a fim de discordar da esposa. Quer paz, e aceita a sugestão da patroa: no churrasco seguinte eles não convidarão o 'tiozão' e o 'namorido' vai assumir a churrasqueira.
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No churrasco seguinte o alívio é geral por parte das mulheres. O tiozão do churrasco não vai estar lá, já foram avisadas de antemão pela dona da casa - motivo pelo qual muitas até se animaram mais com os pertences. O arroz está mais soltinho, o feijão, radiante, bastante verduras, e a soberana 'caponata' de berinjela, reinando entre os acessórios do almoço familiar.
Sim, almoço. Porque o churrasco...
Bem, o afamado 'namorido' se provou um tremendo fiasco: chegou em cima da hora, botou as carnes de qualquer jeito na grelha, deixou muita coisa passada demais, inclusive queimando algumas carnes (algumas, não; muitas).
Usou uma mistura de temperos na carne que tinha tudo, menos sal grosso. Inventou de fazer legumes na chapa e colocou mais frango para grelhar - que nem as crianças comeram direito, já que estapearam as poucas linguicinhas que haviam sido deixadas para esturricar pelo gaiato.
No final, até a cerveja estava morna - e de uma marca horrorosa, que nunca tinha passado pelo freezer do dono da casa. Refrigerante? Trouxe suco - que acabou sobrando.
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Depois de todos se despedirem, não antes de ter desfrutado da sobremesa (pudim aerado, acompanhado de um suspiro esquisito que alguém chamava de "pavlova"), o marido chama a esposa no canto. Está com cara de poucos amigos, entre decepcionado e possesso.
"- Mas o que foi, querido?"
"- O que foi? Você vai ver...".
Mostra a ela um cupom fiscal, das compras do churrasqueiro - que, neste caso, se responsabilizava por tudo, do início ao fim do processo. Verifica-se que o açougue não é o mesmo em que compravam a carne; é outro, de qualidade bem inferior; que tudo tinha sido comprado por um preço bem mais caro do que o 'tiozão' comprava; fora uma série de outras coisas que fizeram o dono da casa desabafar com sua esposa:
- Você me disse para chamar esse cara pra fazer o churrasco. Pois bem: ele trouxe cerveja ruim, carne ruim, errou o ponto de TUDO no churrasco e ainda pagou mais caro pelas carnes e pelo resto. ELE ROUBOU TODO MUNDO!!!! O que você me diz disso?
E a esposa, entre sem jeito e sem paciência, retrucou:
- É... mas você viu como o ambiente estava mais leve, sem gente inconveniente? Foi um almoço excelente... sem falar que a caponata estava maravilhosa... você deveria tê-la provado... um luxo de gostosura!!!!
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