Os filhos de Deus (ou Porque sou evangélico)

Às vezes, muitos se questionam como é que eu, com o meu tipo de personalidade, posso ser um evangélico. Muitos ainda tem, em sua mente, opiniões que são, de certa forma, preconceituosas, tipo “na casa do Senhor não entra Satanás”, ou algo que o valha, o que não é um demérito, já que a imagem do “crente” como sendo aquele chato de galocha que, vestido de terninho cafona, gravata e uma eterna Bíblia embaixo do braço, perde seu domingo de descanso indo com um sorrisinho ingênuo no rosto para um salão onde vai cantar, ouvir e falar muito de um deus negado por uma grande maioria (o que muitos acham masoquismo ou loucura) é, infelizmente, uma foto que não pode ser tirada da cabeça de ninguém facilmente.
No entanto (e as circunstâncias me obrigam a isso) surge uma espécie de pergunta: “por que, afinal de contas, vocês fazem isso ?”, e as respostas são difíceis de dizer, ao menos para a grande maioria dos “crentes”, acostumada a engolir palavras soltas como se fossem ditas diretamente da boca de Deus, e a transformá-las em dogmas que, muitas vezes, acabam substituindo todo um ensinamento que deveria ser a base de todos aqueles que crêem neste Deus, um Deus tido pelos crentes como a suprema autoridade universal, senhor de tudo e de todos, e pai daqueles que crêem nele e em sua palavra, a Bíblia.
Não é facil explicar isso, mas vamos tentar.
Os “crentes” crêem que a única saída para o mundo é a transformação da Bíblia em uma espécie de manual de procedimento pessoal (é o que chamamos de “a única regra de fé e prática do cristão”). Como, reconhecidamente, a Bíblia é um livro extremamente conservador, de normas rígidas quanto a direitos e deveres e que entram constantemente em choque com o modelo liberal de sociedade atual, é natural que se ache que o “crente” em geral é retrógrado, “careta”, chato e tantas outras “qualidades” que nossos tempos abominam, e que tornaram os “crentes” um povo separado da maioria da população, uma espécie de gueto onde estabelecem-se regras de conduta firmes, porém seguidas por esse povo com a maior felicidade do mundo, defendendo com unhas e dentes um modelo extremamente conservador para a mesma sociedade que, com frequência, os ridiculariza, a ponto de ofender gravemente a moral desse povo.
Como um “crente” consegue aguentar tudo isso ?
A resposta é simples, se se conseguir compreender um conceito subjetivo chamado fé, a “certeza de coisas que não se vêem”, ou, como eu mesmo digo, uma espécie de salto no escuro, confiando cegamente nas palavras de um livro com a certeza de uma recompensa eterna no futuro - e, em alguns casos, de uma “gratificação por serviços prestados”, como é o caso de certas igrejas “universais” em nosso dia-a-dia ...
Descartando certas brincadeiras, fica a questão maior: “por que sou crente ?”, ou seja, por que uma pessoa aceita negar aos princípios da sociedade, cada vez mais fáceis de serem cumpridos, e praticamente se isola do convívio dos outros, abominando o que muitos chamam de “as boas coisas da vida” e evitando-as a qualquer custo?
Até certo ponto, é difícil responder. Porém, quando entro em uma igreja de qualquer denominação - incluindo-se aí certas igrejas católicas do interior do Brasil - percebe-se que uma igreja é, antes de tudo, uma comunidade, uma “grande família” onde uma pessoa tem, pelo menos por instantes, a certeza de que terá amigos fiéis, pessoas que as ajudem, lhes dêem o amparo, e a certeza de que poderão fincar dentro dessa entidade os alicerces das famílias que terão, e que as grandes amizades que terão no futuro surgirão de um meio forte o bastante para mantê-las por um longo tempo, talvez a vida inteira.
Se digo que as denominações evangélicas são famílias, é porque elas são organizadas como tal. Mas o principal motivo de acreditar em tudo o que professo é, mais do que nunca, a certeza de que, certo ou errado, bem ou mal, estarei tendo uma vida digna de orgulho por todos os que estão ao meu lado, e poderei, ao fim da vida, olhar para o meu passado e dizer que tudo isso foi bom - e esse, talvez, seja o principal motivo para que eu me alinhe com os pensamentos dos que se auto-denominam “os filhos de Deus”.
E que, realmente, tem crido em sua Palavra, e vão crer muito mais, desde agora e para sempre, Amem.
FPS, 15/01/96