Na tarde desta sexta-feira (26), durante a sessão deliberativa, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), suspendeu os trabalhos e foi ao chão do Plenário Ulysses Guimarães conversar diretamente com os líderes partidários. Naquele momento, por mais que as câmeras não captassem o áudio da discussão, o destino da PEC 3/2021, que amplia o conceito de imunidade parlamentar e restringe a prisão de deputados e senadores com mandato, já estava selado: minutos depois, o texto era retirado de pauta, sendo enviado a uma comissão especial.
Ali se desenrolou uma conversa tranquila, relatam alguns dos participantes. “O presidente desceu porque, evidentemente, ele havia se comprometido a por em votação – mas não havia compromisso de mérito ou de aprovação. Mas como havia dois dias de discussão, ele desceu e conversou sobre isso”, explicou Alice Portugal (PCdoB-BA).”O presidente falou que, se forçássemos o rito, seríamos acusados de atropelo, e tomou a decisão de criar a comissão especial.”
“Naquele momento, já tinha o clima de que não ia avançar”, rememorou Paulo Ganime (NOVO-RJ), um dos poucos no plenário naquele momento. “Tanto que os líderes de vários partidos, inclusive o [vice-presidente da Câmara] Marcelo Ramos, sugeriram de levar para a Comissão. Ainda houve dois ou três partidos para tentar um avanço, mas naquele momento teriam de ser mudanças unânimes – e o próprio Arthur não quis passar os próprios limites e fazer qualquer mudança anti-regimental.”
Com isso, a PEC, considerada uma resposta da Casa à prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ) – acabou sendo postergada, depois de três sessões dominando a pauta. Após a votação da admissibilidade na quarta-feira, os líderes não conseguiram chegar a um acordo sobre o texto, e obstruções na quinta e na sexta-feira travaram a votação ainda em suas preliminares. Tudo isso ocorreu quase em paralelo de um Brasil que entrou, naqueles mesmos dias, no pior momento da pandemia de covid-19, quebrando recordes de mortes e enfrentando a possibilidade de agravamento financeiro ainda mais grave.
O PT, autor de parte dos requerimentos, alega que obstruiu a questão por considerar a discussão apressada demais. “O partido não concordava com o rito, porque a alteração constitucional deve passar pela CCJ, para tratar do assunto”, resumiu Bohn Gass (PT-RS), que recebeu esta semana o cargo líder do partido. Para o gaúcho, “em alteração constitucional, não podemos fazer nada no afogadilho.”
Houve também, no partido, a preocupação dos sinais que a Casa poderia passar à sociedade. “Com o Daniel Silveira estando na condição que está, nossa Casa não pode dar nenhum sinal de que queremos, ao aumentar as regras da imunidade parlamentar, cair em um processo que dá à sociedade a sensação de que trabalhamos pela imunidade parlamentar”, refletiu o líder petista.
Isso explicaria atos que chegaram a exceder o Plenário: o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com um mandado de segurança contra a tramitação da PEC – “o que é um escárnio”, disparou Alice Portugal, “porque você quer justamente que o Legislativo tenha alguma personalidade enquanto um dos três Poderes constituídos na República”. Um dia depois do pedido, na sexta-feira, o ministro Luis Roberto Barroso negou o mandado de segurança.
Não houve consenso nem se haveria consenso entre as legendas. Uma fonte ouvida pelo Congresso em Foco disse que o líder de sua bancada, presente à reunião que tratou da inclusão em pauta, teria lhe garantido que havia apoio unânime pela discussão. Outra fonte nega que tenha havido tal acordo.
Todos, porém, reconhecem que há a necessidade de uma alteração no texto, ou que uma mudança seria bem-vinda. “Nós temos que ter um regramento justamente para não ter abusos de autoridade contra parlamentares”, diz Bohn Gass.”Eu, que sou enfática, quero continuar dizendo que Bolsonaro é genocida – e que isso seja uma opinião e não uma ofensa”, diz Alice Portugal. A deputada baiana reconhece que, hoje, uma afirmação como a sua poderia lhe render problemas justamente por cair em um espaço cinzento. “É preciso regulamentar que a opinião é livre, mas a ameaça ao Estado Democrático de Direito, não.”
Cada partido tem seu motivo para apoiar uma regulamentação do artigo 53 da Constituição, que trata justamente das imunidades dos parlamentares. “Somos aqueles que mais perderam deputados e lideranças pelo chamado crime de opinião, e com muitas delas vivas dentro da estrutura do partido”, ressaltou Alice Portugal. “Nosso motivo é esse: não é impunidade, não é suprimir punibilidade de crimes.”
Agora, as legendas devem indicar os nomes para a compor a comissão especial – o que só deve ocorrer na próxima semana, já que os parlamentares retornaram a seus estados. Para Paulo Ganime, a demora em tratar do tema pode trazer bons resultados e “esfriar” o tema, dando mais tempo para ponderações melhores, e que se tire a pecha de “PEC da Impunidade”, apelido dado por alguns parlamentares contra o texto.
“A regulamentação da imunidade, se ela for feita da forma correta, ela é positiva. O NOVO votou contra a prisão do Daniel Silveira não por concordar com ele, mas sim por discordar de como foi feito todo o trâmite contra ele”, resumiu o parlamentar fluminense. “Alguma forma de mudança no artigo não é tão danoso assim. Mas há que se der a dose certa para que não seja um problema”
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